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O escândalo da Fifa e o papel das empresas

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Na manhã da última quarta-feira (27/5), a menos de 48 horas da eleição do novo presidente da Federação Internacional de Futebol (Fifa), sete dirigentes da instituição foram presos na Suíça, sob a acusação de crimes como extorsão, fraudes financeiras e lavagem de dinheiro. Em sua denúncia, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos alega que grande parcela da propina foi paga e recebida em transações feitas em instituições como o Bank of America, Citibank, o Delta e o JP Morgan, bem como em filiais de organizações estrangeiras nos Estados Unidos, como o Banco do Brasil e o Itaú.

Diante das suspeitas de corrupção durante o processo de escolha da sede da Copa do Mundo de 2022 – que ocorrerá no Catar –, o FBI e o Internal Revenue Service (IRS) deram início a investigações para apurar o caso. O levantamento dos fatos aponta para a existência de um grande esquema de cobrança de propinas, iniciado em 1991, para a transmissão e comercialização das publicidades de eventos esportivos. Estima-se que o esquema envolveu, ao todo, um montante de aproximadamente US$ 150 milhões.

Entre os detidos do alto escalão da Fifa estão três brasileiros: José Maria Marin, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF); José Hawilla, dono da Traffic Group – grande agência de marketing esportivo, que detém direitos de transmissão, patrocínio e promoção de eventos –; e José Lázaro Margulies, dono da Valente Corp. e da Somerton Ltd., ambas empresas de comunicação.

A Fifa averiguou internamente o caso e não revelou todos os detalhes de sua investigação, apesar de ter afirmado que o processo de escolha da sede da Copa de 2022 esteve livre de qualquer ato de corrupção. A Justiça Federal norte-americana também acredita que agentes da federação de futebol poderiam ter recebido propina na negociação dos direitos de transmissão da Copa do Brasil, organizada pela CBF. Segundo a procuradora-geral dos Estados Unidos, Loretta E. Lynch, a última Copa do Mundo, sediada pelo Brasil em 2014, não foi alvo de condutas impróprias, mas também está sob investigação.

As empresas, patrocínio esportivo e mapeamento de riscos
Com a deflagração do escândalo, alguns dos patrocinadores do futebol mundial, como Adidas, Budweiser, McDonald’s e Visa, que têm contrato com a Fifa, pediram transparência na averiguação dos fatos. A Visa se pronunciou categoricamente, dizendo que pretende reavaliar o patrocínio à Fifa, a depender do modo como a federação lidará com as alegações feitas pela Justiça norte-americana e cobrando, ainda, ações rápidas e imediatas para o enfrentamento do problema.

Ao associar sua marca a um atleta, uma equipe ou uma instituição esportiva, a empresa busca melhorar seu desempenho nas vendas e aumentar a visibilidade de sua imagem. Entretanto, casos como esse, que envolvem uma das maiores instituições esportivas do mundo, mostram a necessidade de a organização patrocinadora mapear cuidadosamente os riscos antes de firmar esse tipo de aliança. A relação empresa-patrocinado deve ser a mesma de empresa-fornecedor.

A legislação brasileira se debruça sobre a questão do patrocínio e traz sanções a instituições que financiam acusados de praticar atos de corrupção. A recém-sancionada Lei Anticorrupção Empresarial (12.846/2013) é um exemplo disso. O inciso II do artigo 5 prevê que a empresa que “comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei” poderá ser envolvida num processo.

A falta de transparência na prestação de contas da utilização dos recursos de patrocínio, a falta de capacitação do dirigente máximo de organizações esportivas, a vinculação de “contratos de patrocínio” como “contratos de mídia” e a associação da marca da empresa patrocinadora a determinada entidade do esporte constituem grandes riscos a quem quer patrocinar. Para evitá-los, é fundamental a criação de processos de mapeamento. Assim como grandes organizações contam com departamentos de compliance e sistemas de controle interno para a prevenção de atos ilícitos que firam a ética, também devem ser desenvolvidos mecanismos que rastreiem os riscos oriundos de relações externas.

Apesar desse cenário, empresas, organizações da sociedade civil, clubes e atletas vêm trabalhando juntos para o avanço da agenda da integridade no esporte. O acréscimo do artigo 18-A na Lei Pelé (9.615/1998), por exemplo, é fruto dessa parceria. Com ele, a legislação passa a limitar o mandato dos dirigentes esportivos e estimular a participação dos atletas na gestão de instituições e no sistema eleitoral, entre outras determinações.

O Pacto pelo Esporte
Diante da necessidade de aperfeiçoar as práticas de patrocínio esportivo e promover a sustentabilidade no esporte, o Instituto Ethos, a Atletas pelo Brasil e o Lide Esporte trabalham, com as empresas, na construção do Pacto pelo Esporte, que visa estabelecer regras, propiciar condições íntegras e éticas para as empresas patrocinadoras e desenvolver ferramentas para aumentar a transparência e tornar mais eficiente a gestão dos investimentos de patrocínio. A elaboração do acordo setorial, atualmente em fase de definição de suas cláusulas, conta com a Associação pela Indústria e Comércio Esportivo (Ápice) e com as empresas Aché Laboratórios, Ambev, Banco do Brasil, Bradesco, BRF, Construtora Passarelli, Centauro, Correios, Decathlon, Gol Linhas Aéreas Inteligentes, Itaú Unibanco, McDonald’s, Nestlé, Nissan do Brasil, Pão de Açúcar, P&G, TetraPak e Volkswagen do Brasil.

Na última quinta-feira (28/5), diante da preocupação com a prisão do ex-presidente da CBF José Maria Marin, patrocinadores – entre eles, Chevrolet, Gillete, Gol, Guaraná, Itaú, Mastercard, Samsung e Vivo – se reuniram com agentes da CBF para discutir a continuidade (ou interrupção) de seus investimentos no futebol brasileiro.

O patrocínio é chave no desempenho dos atletas, com o financiamento de equipamentos e treinos, e na própria visibilidade das modalidades do esporte brasileiro no cenário mundial. O escândalo da Fifa representa uma grande oportunidade de mobilização das empresas, organizações e de toda a comunidade esportiva para o combate à corrupção.

Por Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Ethos.

 

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