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Futebol e responsabilidade social: o Relatório de Sustentabilidade do Corinthians

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Se os termos do futebol já permeiam a linguagem corporativa, por que não a própria governança dos clubes ser exemplo para o Brasil e para o mundo?

Pelo terceiro ano consecutivo, o Sport Club Corinthians Paulista lança seu Relatório de Sustentabilidade 2010, produzido de acordo com as diretrizes da Global Reporting Initiative (GRI). O documento avalia o desempenho socioambiental e financeiro da agremiação no ano do seu centenário. O Corinthians é o único clube de futebol do mundo a fazer relatório de sustentabilidade com a metodologia que é a mais aceita nas grandes organizações e entidade ligadas a responsabilidade social empresarial. O que ele pode nos dizer sobre o tradicional time paulistano e sobre o futebol brasileiro?

O relatório de sustentabilidade é a principal ferramenta de comunicação do desempenho social, ambiental e econômico das organizações. O modelo de relatório da GRI é atualmente o mais completo e mundialmente difundido. Seu processo de elaboração contribui para o engajamento das partes interessadas da organização, a reflexão dos principais impactos, a definição dos indicadores e a comunicação com os públicos de interesse.

Esse tipo de relatório não avaliza o desempenho da empresa; apenas mostra o que ela está fazendo. E, nesse ponto, as empresa brasileiras têm se destacado internacionalmente. Entre as 4.000 empresas no mundo que declaram produzir um relatório de acordo com a GRI, 250 delas são brasileiras e estas sempre estão entre os destaques escolhidos pelos internautas do GRI Award, que reconhece os melhores relatórios do mundo.

Segundo o presidente do Instituto Ethos, Jorge Abrahão, “Embora o movimento da responsabilidade social empresarial tenha avançado bastante no Brasil e conseguido destaque internacional, ainda há muito por fazer. Principalmente, atrair novos setores para o que podemos chamar de ‘causa’ da gestão responsável para a sustentabilidade”.

Na avaliação de Abrahão, um dos setores estratégicos é o dos clubes de futebol. Faz tempo que se discute que a gestão dos clubes precisa se profissionalizar e adotar maior transparência e ética em suas ações. Essas demandas são feitas aos “cartolas” como torcedores e cidadãos. Mas podemos especular: o que significa Responsabilidade Social Empresarial (RSE) no futebol?

Se partirmos do modelo adotado pelos negócios, temos de admitir que RSE, mesmo no futebol, é “diálogo com as partes interessadas”. Diálogo que não pode ser confundido com “dedo de prosa”, mas com conversas qualificadas, voltadas para atender as demandas das partes e, fundamentalmente, baseadas na confiança. Para Abrahão, “esta confiança só pode ser construída por meio da transparência e da ética – transparência entendida como ação dentro dos critérios e prioridades estabelecidos, e ética, como o cumprimento dos compromissos assumidos.” Como são feitos os contratos de patrocínio? Qual é o papel dos agentes dos jogadores na gestão dos clubes? Como são tomadas as decisões? São perguntas que precisam ser respondidas.

Se analisarmos em “partes interessadas”, o jogador seria um integrante do “público interno”.

Muitos deles chegam ainda crianças ao clube. Eles têm condições de freqüentar a escola regularmente, de completar o ensino médio? Durante a permanência no clube, eles podem obter orientação para a carreira e educação financeira?

O principal cliente de um time é o “torcedor”. No Brasil, em 2003, foi aprovado o Estatuto do Torcedor, modificado em 2010 para tornar mais duras as medidas de prevenção e repressão da violência em competições. Ele tem por objetivo proteger os interesses do consumidor de esportes no papel de “torcedor”.

Essa lei prevê, por exemplo, que a segurança dos locais onde se realizam os eventos esportivos é de responsabilidade da agremiação mandante. Pelo estipulado no documento, o torcedor que cometer atos de vandalismo e violência em até 5 km dos estádios, invadir o campo ou promover confusão pode pagar multa, ser proibido de assistir aos jogos e até ser preso.

A lei estabelece também o cadastramento dos associados ou membros das torcidas organizadas. Caso algum desses membros cometa alguma infração, serão as entidades que responderão pelos danos. Além disso, a torcida organizada que promover tumulto será impedida de comparecer aos jogos pelo prazo de até três anos.

O Estatuto do Torcedor também exige maior transparência na prestação de contas e na governança das agremiações e entidades associativas esportivas. Um bom motivo para que todos os clubes brasileiros, de todas as modalidades esportivas, sintam-se inspirados a adotar a gestão responsável como a única forma de dar conta das regras impostas pela lei e também a melhor maneira de prestar contas à sociedade, estabelecendo um novo tipo de relacionamento com torcedores, funcionários, investidores, jornalistas, sócios, fornecedores e a comunidade.

“Esse objetivo não é impossível” declara Abrahão e completa, “e mais do que isso, aponta para uma nova função social do esporte, principalmente do futebol, na sociedade e na vida das pessoas”. Os clubes são como ponto de referência em gestão, em ações sociais e em integração da comunidade. Se os termos do futebol já permeiam a linguagem corporativa – afinal, estamos saindo da retranca para o ataque, no que diz respeito à gestão sustentável – por que não a própria governança dos clubes ser exemplo para o Brasil e para o mundo? Difícil? Nem tanto. O Corinthians já começou.

O Relatório do Corinthians
A GRI foi criada com o objetivo de elevar as práticas de relatórios de sustentabilidade a um nível de qualidade equivalente ao dos relatórios financeiros. O conjunto de diretrizes e indicadores da GRI proporciona a comparabilidade, credibilidade, periodicidade e legitimidade da informação na comunicação do desempenho social, ambiental e econômico das organizações.

O Relatório de Sustentabilidade 2010 abrange o período de 1º. de janeiro a 31 de dezembro de 2010 e traz também fatos relevantes ocorridos até abril de 2011. Ele foi apresentando na manhã de 28 de junho, em evento que reuniu torcedores, dirigentes e representantes de entidades do mercado financeiro.

Devemos entender esse retrato do Corinthians como uma exposição pública de sua governança e de seu relacionamento com alguns públicos de interesse que o clube escolheu para relatar. Outros times deveriam fazer o mesmo.

Lidando com as partes interessadas
Em seu relatório, o Timão listou como públicos estratégicos:
•    Sócios adimplentes – 21.730;
•    Entidades esportivas – CBF, Conmebol, Clube dos 13, Fifa e entidades de esportes amadores;
•    Fornecedores – 7.268 (mas o relatório informa que essa área está passando por reestruturação);
•    Funcionários – 848;
•    Torcedores – 30 milhões – e torcidas organizadas;
•    Mídia – de acordo com o relatório, há dezenas de profissionais dos vários veículos de comunicação cadastrados no clube e que o freqüentam diariamente;
•    Bancos e patrocinadores – são quatro bancos e nove patrocinadores que investem no time, entre os quais Bradesco, CEF, Neoquímica,Warner e Coca-Cola;
•    Equipe profissional – 18 integrantes da Comissão Técnica e 57 atletas profissionais;
•    Agentes de jogadores – o website do time apresenta uma relação desses agentes.

Essa lista de públicos estratégicos é importante por pelo menos dois motivos: informa que são essas as “partes interessadas” com as quais a gestão pretende dialogar e traz inovação em termos de stakeholders em relação à lista tradicionalmente adotada. Quem sabe as empresas também deveriam pensar em outros públicos de interesse para aprofundar mais a gestão responsável na estratégia?

Para os próximos relatórios, o Timão poderia descrever as ações que realiza com cada um desses públicos e como as demandas deles são integradas na governança do clube.

Em relação ao desempenho financeiro, o Corinthians informa que apresentou saldo positivo, em 2010, de R$ 3,7 milhões. A receita global somou R$ 212,6 milhões, 17% superior à de 2009 e 81% acima do resultado de 2008. Foi também a maior receita entre todos os clubes brasileiros. As fontes são: cotas de televisão, exploração e uso da marca, repasses de direitos federativos (venda de jogadores), bilheteria e programas de “fidelidade”, como o Fiel Torcedor, loterias e outros.

Outras informações interessantes:
•    Segundo o relatório, a marca “Corinthians” é a mais valiosa entre as de todos os times brasileiros, liderando o ranking com R$ 749,8 milhões;
•    Desde 2008, o estatuto do clube garante voto direto dos associados do clube para o cargo de presidente;
•    O mandato do presidente é de três anos, sem direito a reeleição consecutiva. A Mesa Diretora e o Conselho Deliberativo também não podem ter membros reeleitos para mandatos consecutivos.

Pelas informações contidas em seu relatório, o Corinthians demonstra disposição em continuar avançando na gestão responsável. Tomara que seja seguido pelo Palmeiras, São Paulo, Flamengo, Internacional, Santos, enfim por todos os times brasileiros.

por Cristina Spera (Instituto Ethos)

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