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ARTIGO: Copa 2014, um gol contra a priori

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Por Marcos Dionísio Medeiros Caldas

Na pelada da seleção no meio de semana [jogo amistoso entre Brasil e Chile no dia 25 de abril no Mineirão] um cartaz furou o cerco do politicamente correto e a “liberdade de expressão de Galvão” e reverberou: “Galvão, cuidado com a dengue em BH!” Fosse colocar os locais onde se deve tomar cuidado com a Dengue não caberia no cartaz nem numa faixa ou bandeira, nem mesmo em todos os locais de publicidade do Mineirão.

O cartaz também poderia dizer “Galvão cuidado com o homicídio” e aí bastaria complementar e dizer “em qualquer canto do Brasil”.

O cartaz ainda poderia dizer “Galvão cuidado com os prontos-socorros” que, ao invés de só salvarem vidas converteram-se também em diplomas da insensibilidade dos gestores brasileiros, continuadamente, mais em alguns locais do que em outros e, nesse particular, ninguém supera o Rio Grande do Norte (RN) onde faltam remédios, fio de aço e aparelhos são compartilhados por vários doentes numa comovente solidariedade e milagre médico.

Quando digo que nesse quesito o RN é insuperável é que hoje nós podemos ler pela internet jornais de todo canto e a crise, efetivamente, é nacional, mas em nenhum lugar verificou-se rebelião de pacientes com ameaças de quebra-quebra e tocar fogo em colchões ante médicos e enfermeiros correndo para atender os desvalidos , à beira de se tornarem vítimas de agressões daqueles que não tiveram suas dores mitigadas. “Vítima virando algoz”, Paulo Freire não deve ter imaginado sua consigna em tal situação, tão plena e dialeticamente explícita.

Mais uma frase para o cartaz: “Galvão cuidado com a queda de moto” e estaria escancarando um portal eficiente para a morte no Brasil. Inviabilizando qualquer planejamento para os prontos-socorros, gastando em acidentes perfeitamente evitáveis os parcos recursos da saúde e evidenciando a má educação do motorista brasileiro que tendo sua cidadania desrespeitada a todo instante no volante também“deixa de ser vítima e passa a ser algoz”. Quase todo motorista “sabe” a autoritário: o espaço é o seu, a vez é sua e as regras são adaptáveis a sua pressa.

Porém, o cartaz também poderia ter os dizeres “Galvão cuidado com a Lei de Acesso a Informação” e aí poderia outro cartaz complementar dizendo que todas as instituições estão na ilegalidade. Não há um só órgão que esteja respeitando-a plenamente. Mas há órgãos como o Senado (de Sarney a Renan), a Assembleia Legislativa do RN e a nossa Câmara Municipal que se esmeram no crime de esconder suas entranhas ao povo em geral, que é seu financiador, para o exercício democrático e não para esse exercício pleno do autoritarismo.

Com relação à Copa do Mundo, nenhuma capital foi aprovada no levantamento feito pelo Instituto Ethos.  Aliás, todas as capitais seriam reprovadas com louvor face às gestões obscurantistas.

O cartaz que quebrou o tédio da transmissão insossa de um jogo também sem gosto, poderia também dizer “Galvão cuidado com o Marin”, ou Blatter ou Valcker. Ou mesmo em homenagem a esta tríade “desportiva, ética e generosa” poderia mesmo dizer “Galvão cuidado com a Democracia”, pois os homens de bem acima citados não escondem que acham que a Democracia atrapalha as obras, os serviços e os lucros da FIFA.

Ledo engano, A FIFA acaba de comemorar a projeção de 5 Bilhões de PILAS de lucratividade na Copa do Mundo no Brasil. 30% a mais do que na África do Sul e 60% a mais do que na de 2006. E é porque nossa Democracia não está atrapalhando nem um pouco. Tivesse atrapalhando a Comissão da Verdade já teria ouvido José Maria Marim e ele seria reduzido a um mero financiador e instigador de torturas.

O legado da Copa que poderia ser políticas públicas melhores e em maior quantidade para o conjunto da população, vai se convertendo em brutais endividamentos de estados e municípios e fragilização dos serviços.

São tantos os cuidados que só caberiam em milhares de cartazes nas mãos de milhares de brasileiros nas ruas para evitar que a Copa do Mundo seja um “Gol Contra a priori”.

Aqui em Natal, já temos o prejuízo da morte matada do Machadão. Conseguimos evitar a violação dos Direitos Humanos à moradia de mais de 1220 famílias, depois reduzidas para 429 e agora, segundo afirmou para o Comitê Popular da Copa Natal 2014, à Associação Potiguar dos Atingidos pelas Obras da Copa e perante o Instituto Ethos, o prefeito Carlos Eduardo Alves, as intervenções de mobilidade não agredirão ao sagrado e constitucional direito à moradia.

Os cartazes poderiam dizer muito mais coisas e eu sempre fico xeretando os momentos dos intervalos dos jogos de futebol ou quando passam os créditos das transmissões que é por ali onde a vida se mostra viva e pulsante.

Mas o cartaz que me causou mais espécie foi quando um sujeito na última fileira da arquibancada, certa feita, levantou de súbito um cartaz: furando o patriotismo canalha e os gritos de emoção artificial:

“VAI PENTEAR MACACO Galvão”.

Frase despretensiosa, mas que nos estimula a enfrentar o rolo compressor que está por vir no porvir.

Artigo publicado originalmente no portal Carta Potiguar

Marcos Dionísio Medeiros Caldas é Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (RN), membro do Comitê Local do projeto Jogos Limpos de Natal e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 – Natal.

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