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Estudo aponta ação repressiva do Estado brasileiro em manifestações contra a Copa do Mundo

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Relatório produzido pela ONG Artigo 19 analisou 740 protestos de janeiro de 2014 a junho de 2015. Segundo o relatório, a ação da polícia nos atos contra o Mundial de Futebol visava impedir o início dos processos.

Foi lançado, no início de setembro, o relatório As Ruas sob Ataque: Protestos 2014 e 2015, que analisa a postura do Estado brasileiro em relação às manifestações públicas nos últimos 18 meses. A conclusão preocupa: o governo continua cometendo violações legais com o intuito de sufocar manifestações.

O estudo foi produzido pela ONG Artigo 19, especializada nas questões de direito à informação e expressão política. Seu nome vem do 19º artigo da Declaração Universal dos Direito Humanos, que diz: “Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.

Para este relatório, a ONG analisou 740 protestos realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro, de janeiro de 2014 a julho de 2015, incluindo quase duas dezenas de manifestações contra a realização da Copa do Mundo. Além de uma versão do estudo em formato PDF, a Artigo 19 criou um site para disponibilizar as informações do relatório, com a inclusão de entrevistas e gráficos. O endereço é http://2015brasil.protestos.org.

“Temos o direito fundamental de nos expressar de diferentes formas, inclusive por meio de manifestações de rua. O Estado, por sua vez, tem o dever de garantir esse direito e seu exercício pacífico. Negar esse direito ou reagir com violência contra aqueles que protestam contraria a própria noção de democracia e de um Estado de direito. Nossa sociedade já não pode aceitar hoje esse tipo de comportamento. Não vivemos numa ditadura”, afirma Camila Marques, advogada e uma das responsáveis pelo estudo.

De acordo com o relatório, as ações para restringir os protestos têm se dado em diversas frentes: violência policial, criminalização pelos tribunais, projetos de lei restritivos e a não responsabilização de agentes que cometeram violações. Especificamente na ação policial, a ONG relata violações como: falta de identificação, realização de detenções arbitrárias, emprego desproporcional de efetivo policial e de armamento menos letal (como balas de borracha e gás lacrimogênio) e até o uso de armas letais (registrado em quatro manifestações).

Para o ONG, é “emblemático” o protesto no 12 de junho de 2014 na Zona Leste de São Paulo, dia do jogo de abertura da Copa do Mundo. “O protesto foi reprimido fortemente pela polícia antes mesmo que se formasse por completo no local marcado para a concentração”, afirma.

O investimento do Estado no aprimoramento do aparelho repressivo aumentou no período analisado, segundo o relatório. A principal justificativa dos governos estaduais para esse crescimento foi a de garantir a realização dos megaeventos esportivos (Copa do Mundo e Olimpíada). Para comprovar esse aumento, o estudo aponta o surgimento de tropas policiais específicas para tratar de protestos, utilização de novas técnicas de repressão a manifestações e mesmo a compra de veículos blindados para serem usados em passeatas.

Segundo o relatório, “o amplo cenário de violações verificadas em protestos desde 2013 se agrava pela falta de responsabilização daqueles que cometeram abusos. Praticamente nenhuma punição a agentes públicos que cometeram atos de violência em manifestações foi registrada, o que acaba reforçando o ciclo de violações”.

O relatório identificou ainda que a prática de vigilância de manifestantes cresceu, com a ocorrência de monitoramento de “suspeitos” na internet e até mesmo a quebra de sigilo de comunicações privadas. No viés institucional, a elaboração de projetos de leis que buscam criminalizar condutas relacionadas a manifestações segue recorrente. Entre eles, destacam-se os que visavam tipificar o crime de “desordem” e a proibição do uso de máscaras em manifestações. Nenhum deles, porém, teve continuidade.

O Judiciário também figurou como um agente limitador de manifestações, segundo o estudo da Artigo 19. Acionados para julgar manifestantes detidos (muitas vezes de forma arbitrária e sob acusações frágeis) ou para posicionar-se sobre a validade de normas ou pedidos de responsabilização do Estado por abusos cometidos, os tribunais, na maior parte das vezes, acabaram chancelando a postura repressiva dos poderes Executivo e Legislativo em relação ao direito de protesto.

O caso de Rafael Braga, detido em 2013 por estar de posse de um frasco de desinfetante e um de água sanitária próximo a um protesto realizado no Rio de Janeiro, também suscitou o debate em torno da seletividade penal. Braga estava em situação de rua à época e permanece preso até o momento.

O relatório ainda traz um capítulo especial sobre a violência contra comunicadores. Foram registrados diversos casos de profissionais de imprensa feridos em razão do uso da força policial. O trabalho cita as manifestações do dia 22 de fevereiro de 2014, quando sete comunicadores foram detidos e mais de dez sofreram agressões por parte da polícia. E lembra ainda o caso do cinegrafista Santiago Andrade, morto após ser atingido por um rojão na cabeça atirado por um manifestante durante um protesto também no Rio de Janeiro.

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