Uma carta com um tom ousado marcou o final da 16ª International Anti-Corruption Conference (IACC – Conferência Internacional Anticorrupção), no dia 4 de setembro, em Putrajaya, capital administrativa da Tailândia. Maior evento de combate à corrupção no mundo, reuniu mais de 1.200 pessoas. A chamada principal era pelo fim da impunidade aos corruptos.
Entre as propostas listadas no documento de encerramento estão: ampliar os esforços para recuperar recursos desviados com a corrupção; criar mecanismos para dar publicidade aos donos efetivos das empresas ganhadoras de licitações; e impor restrições de viagem aos indivíduos suspeitos de corrupção.
O pronunciamento de encerramento contrastou com o teor mais suave da abertura da conferência, no dia 2. Feito por José Ugaz, presidente do Conselho da Transparência Internacional, lembrou as grandes manifestações contra a corrupção no Brasil, Honduras, Guatemala, Iraque e Malásia, mas também a perseguição de militantes contra a corrupção em países como Rússia, Kuwait e Tunísia.
A 17ª edição da IACC será realizada no Panamá, no ano que vem. A anterior ocorreu em Brasília, em novembro de 2012, tendo sido organizada por Controladoria-Geral da União (CGU), Amarribo Brasil e Instituto Ethos. Foi durante o evento que se lançaram os Indicadores de Transparência Municipal.
Leia a seguir o pronunciamento de encerramento na íntegra.
CARTA DE PUTRAJAYA: TOLERÂNCIA ZERO PARA A IMPUNIDADE
Cerca de 1.200 pessoas de 130 países se reuniram em Putrajaya, na Malásia, para discutir um dos maiores desafios do mundo: como a impunidade permite a propagação da corrupção. Os delegados se reuniram para buscar estratégias mais eficazes para acabar com a impunidade e responsabilizar aqueles que se beneficiam do abuso de poder, de acordos secretos e do suborno.
Governos atormentados por nepotismo, líderes que reescrevem constituições para estender os limites de seus mandatos, as democracias frágeis capturadas por pessoas interessadas em criar um clima em que a corrupção floresça e a impunidade impere. A impunidade alimenta a grande corrupção: o abuso do poder que beneficia poucos com prejuízo generalizado de muitos indivíduos e da sociedade.
Em 2012, na última Conferência Internacional Anticorrupção, em Brasília, o grito de guerra era: “Não vamos deixá-los fugir com o dinheiro!” Uma declaração que ainda soa atual para aqueles que procuram impedir os ladrões, criminosos que roubam as riquezas nacionais, permitem que o crime organizado floresça e proporcionam refúgio seguro aos sonegadores de impostos e esconderijo para os terroristas.
Hoje, em todo o mundo, percebemos que a corrupção está nos mais altos níveis de poder político e de negócios. Por isso, é essencial assegurar que a justiça e os órgãos de investigação permaneçam independentes e autônomos. É essencial que as ameaças contra a sociedade civil sejam interrompidas e que se encoraje a voz do povo.
Agora, mais do que nunca, devemos todos nos reunir para promover a integridade e tomar medidas, concertando nossos esforços contra o abuso de poder.
Na política, na educação, nos negócios, na comunicação social, no esporte, em nível nacional e nas instituições mundiais, a corrupção nega voz às pessoas. Piora vidas e difunde injustiças.
Pessoas. Integridade. Ação.
É preciso coragem e ação coordenada de vários atores para garantir que sejam levados à justiça os poderosos que cometeram crimes. Pessoas no governo, sociedade civil, setor privado, jovens e agentes sociais inovadores devem se unir para construir soluções criativas de combate à corrupção e de promoção da transparência para acabar com a impunidade.
Se os poderosos e corruptos estiverem autorizados a escapar da justiça, corremos o risco de testemunhar o colapso do Estado de direito e a desintegração final da sociedade. Nós enfrentamos o risco de perder a luta contra a corrupção. Precisamos criar uma cultura de integridade em todos os setores da sociedade para alcançar uma mudança sustentável.
É preciso que as pessoas éticas ajam em conjunto contra a impunidade, que é o que permite a propagação da grande corrupção. Não podemos acreditar que exista uma relação de contrariedade, que devemos escolher uma ou outra, em relação às reformas dos sistemas de integridade ou combater a impunidade. Não fazer as reformas necessárias só vai incentivar os corruptos.
Em Putrajaya, nós declaramos a necessidade de inúmeras medidas para prevenir e impedir a corrupção, para garantir que os atos de corrupção não se repitam e para assegurar que os corruptos não apenas sintam toda a força da lei, mas reembolsem todas as suas dívidas com a sociedade.
A recuperação dos recursos financeiros é essencial, porque restaura a confiança das pessoas e contribui para criar um clima que reduz o incentivo à corrupção e, ao mesmo tempo, repara os danos causados.
Estruturas jurídicas mais fortes e marcos legais melhores criam mais igualdade de acesso à justiça. Esse é outro componente essencial para a confiança dos cidadãos no funcionamento do Estado. Devolver bens roubados aos seus propósitos originais, inclusive servindo para compensar as vítimas, também restaura a confiança das pessoas no sistema judicial.
Alguns temas-chave da 16ª Conferência Internacional Anticorrupção
Os participantes da IACC focaram seus esforços em como atuar em conjunto para garantir a integridade e combater a corrupção. Entre suas recomendações estão:
Ampliar esforços para recuperar bens roubados é tão importante quanto garantir que não haja refúgio seguro para os corruptos nem exista uma maneira de gozar de riqueza ilícita. Deve tornar-se impossível para os corruptos usar passaportes diplomáticos ou vistos de investidores para fugir à justiça.
O G20 e as organizações não governamentais têm defendido que os países imponham restrições de viagem aos indivíduos suspeitos de corrupção, por acreditar que, se bem aplicadas, essa medida pode atuar como uma sanção e desestimular a corrupção. Tais restrições devem ser aplicadas de modo que os corruptos não possam viajar com o intuito de expandir suas atividades ilegais ou de comprar imóveis e bens de luxo.
Profissionais – como banqueiros, advogados, agentes imobiliários e contabilistas – que não consigam exercer uma vigilância com o devido rigor e, por isso, permitam a movimentação de fundos ilícitos através das fronteiras devem também receber sanções.
Os corruptos não podem continuar usando empresas fantasmas para esconder sua riqueza. Em Brisbane, quando os líderes dos países do G20 decidiram apoiar a adoção de medidas sobre a transparência da propriedade efetiva das empresas foi um ponto de partida. Agora, cabe aos países do G20 assumir a liderança e implementar essas ações.
Os bancos devem fazer esforços para cumprir as leis de combate à lavagem de dinheiro e evitar que essa prática floresça. Outros setores, como as empresas de contabilidade e os escritórios de advocacia, precisam parar de facilitar a corrupção. O marco legal de combate à lavagem de dinheiro internacional é insuficiente e deve ser reforçado para garantir um controle mais robusto e maiores punições.
Dar publicidade total aos contratos tem de se tornar uma prática frequente em todos os governos. É imprescindível que os contratos abertos sejam adotados em todos os setores de governo, da educação à infraestrutura, para garantir que os governos efetivamente usem os recursos públicos no que é necessário, para que os cidadãos possam participar do processo de tomada de decisão e para permitir a concorrência leal entre as empresas.
A grande corrupção deve tornar-se um crime de direito internacional. Isso permitirá que as instituições e alianças internacionais possam processar os infratores. Também possibilitará desenvolver mecanismos internacionais adicionais para prender, processar, julgar e condenar aqueles que cometeram crimes de grande corrupção.
Nos debates, os delegados pediram a total independência e autonomia de todos os órgãos de combate à corrupção.
Em Brasília, nós dissemos de maneira clara: “Estamos observando aqueles que agem com impunidade e vamos garantir que eles não fujam”.
Ao final destes três dias produtivos de debate, deixamos a Malásia comprometendo-nos a trabalhar em conjunto para impedir a rápida disseminação da corrupção. Juntos temos o poder dar um fim à impunidade.
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